Não sou chato para comida. Sou de família italiana, fui criado aprendendo a comer tudo, e o principal: “muito tudo”. Seja camarões á Belle Meunière, seja o Xis Pelanca aqui da esquina. Qualidade não era tão importante, quantidade sim.
Eu como muito, eu como demais. Quem me vê comendo se apavora. Sei que passo vergonha, mas sempre pensei que passar vergonha é muito melhor que passar fome. Não que eu não agüente momentos, até horas talvez, de atraso em uma refeição ou outra, mas independente do horário, eu sempre como feito condenado-recebendo-indulto-de-natal-saboreando-a-ceia-na-casa-da-mãe.
Não sou chato para comida, repito. Como o que eu quero, a hora que quero, da maneira como quero e na quantidade que quero, costumava brincar quando as pessoas me diziam que a comida servida seria simples: - “Tem pedra com sal e vinagre”? - Respondia. E meu corpitcho esbelto continua (mais ou menos) o mesmo. É como se todos os sonhos gastronômicos da maioria das pessoas se tornassem realidade na minha pessoa: poder saborear tudo o que deseja da maneira como deseja, e não engordar, pior ainda, por vezes até emagrecer com muita facilidade.
Eu tinha mania antigamente, de comer desta maneira exagerada inclusive na casa dos outros quando convidado. Acreditava piamente que, assim como nas casas das nonas italianas, comer muito era um elogio feito, uma maneira de deixar claro que a pessoa sabia cozinhar bem, e que a comida estava ótima, era uma maneira de agradecer. Quantas e quantas vezes eu raspava panela de gororóbas fétidas... É mais do que óbvio que isto está errado. Além da mais absurda falta de educação, era feio e fazia mal tanto fisicamente quanto moralmente. Só na maturidade que pude perceber o quanto essas idéias familiares estavam erradas.
Contudo, alguns que conheço acham que pessoas do gênero feminino são como comida. Eles pensam que o que vale é só comer, sem saborear e aproveitar nada, e o pior de tudo: comer muito, e de tudo, tal qual buffet à quilo com direito a sobremesa.
Chuchus, mocotós, mondongos, buchadas, fígado, moela, coração de peru, língua, miolo, miúdos... tudo vale. Parou na frente tão mandando a colher. A hora que for, onde for, da maneira como for e seja de quem for, não interessa. O que interessa é mandar “pra dentro”.
O problema é que vive dando indigestão, mas eles não estão nem ai. Indigestão por causa de algumas comidas não é motivo para não continuar comendo. Às vezes bate um arrependimento de ter comido aquela porcaria, mas não tem problema, tudo é justificável, afinal de contas, estavam com fome não é?
Mas fome de que? Seria só de sexo? De companhia? De mostrar para os outros como é pegador (“o garanhão da paróquia”, como diz meu pai)?
Minha opinião: não é nada disso.
É vazio da alma mesmo. É preciso sempre preencher a alma com algo. Como se ela fosse um tanque da gasolina, um balão em pleno vôo ou um estomago vazio. Ela se encontra desta maneira por conta de algo, seja um rompimento, um luto qualquer, rotina enfadonha ou uma vida sem perspectivas, sem nada para poder inflar o ego.
Enfim, fome é algo que a gente mata comendo, concordo. Mas não estou escrevendo sobre fome carnal de qualquer tipo, mas sim sobre fome da alma, algo que só é saciado com satisfação pessoal ingerida, com conquistas concretas ao alho-e-óleo, com emprego acompanhado de pão caseiro, estudo e um café-expresso, amizades com picanha mal passada, carinho com polenta e galeto, respeito acompanhado de pizza de strogonoff, pessoas que podemos contar junto com um bom chopp, um grito de gol com sushi, lagrimas de satisfação com torta de sorvete, um sorriso de criança com pirulito, alguém fazendo planos ao teu lado com o feijão da mãe, e para terminar, palavras de amor ao molho madeira...
É, mas vai botar na cabeça deles de que mulheres não são algo que se compra no drive thru do McDonalds...