segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Do esterco saem ensinamentos...

Estes tempos, durante um curto final de semana onde fui visitar os parentes em Guaporé, passei de carro enfrente ao terreno onde era a casa da minha avó materna Olga.
Ela era uma autêntica italianinha (1,50 metro) prendada que costumava assumir todas as tarefas do lar, o que naquela época, demandava no mínimo 15 ou 16 horas por dia, incluso aos domingos. Era a lenha que precisava ser cortada, o fogão queimando o dia todo para cozinhar, esquentar a água para o banho, a brasa para o ferro de passar e também para aquecer os quartos no inverno, o galinheiro que precisava ser limpo, os ovos recolhidos, as galinhas tratadas (por vezes mortas para o jantar), o milharal que necessitava de atenção, a limpeza da casa, das roupas, dos animais... entre tantas outras atividades compulsórias da vida no interior de antigamente.
Casada com um descendente de negros, o que naquela época (1936) era algo quase impossível de acontecer, pode-se dizer que foi pioneira em se libertar das amarras impostas pela família e pela sociedade em uma cidade predominantemente preconceituosa para ser feliz. Foram 81 anos de vida, cinco filhos criados, sendo minha mãe a caçula e única mulher.
A casa era uma autêntica casa de italianos que ainda existe aos borbotões por ai no interior do Estado. No primeiro andar, o porão com piso de chão batido, portas de madeira trancadas com tábuas atravessadas (algumas com ferraduras penduradas) e paredes de alvenaria feitas com tijolos pequenos e reboco simples. No segundo piso, uma casa de madeira amarela com poucos cômodos, um banheiro simples com piso de concreto cru pintado de vermelho, a cozinha grande e a sala cheia de estatuetas de santos, um relógio cuco barulhento e duas poltronas, ocupadas respectivamente pela Vó e pelo Vô Negri. Nos fundos havia um galinheiro, uma grande horta, e alguns pés de cana que me lembro de mastigar nos verões.
Em verdade a casa já não existe mais desde a sua infeliz passagem, há 15 anos atrás. Em nada, tirando algumas arvores frutíferas plantadas pelo meu avô que ainda estão lá, o local se assemelha ao que era na minha infância. Há tempos aquela casa deu lugar a um pequeno conjunto habitacional.
Dentro do porão, além de uma infinidade de coisas úteis e inúteis guardadas, existia um balanço feito com cordas rústicas e uma tábua de madeira azul, que ficava ao lado da porta da frente. Certa vez, quando eu tinha apenas uns 5 ou 6 anos de idade, me recordo de estar sentado me balançando, e ver um cavalo passar e defecar bem de fronte a porta. Aquilo me deu um nojo absurdo, como daria em qualquer um, por conta do cheiro e do aspecto terrível que aquele esterco tinha. Sempre fui um garoto de cidade de certo modo, e definitivamente não estava acostumado a ver animais defecando na porta da casa onde eu estava.
Não consegui voltar para o balanço enquanto não vi minha Vó atravessando o porão com uma pá na mão.
Com destreza, ela juntou tudo o que havia no chão e sorrindo, já no caminho de volta por dentro do porão e em direção à horta, me falou:

- “Isto eu vou aproveitar”.

Aquilo para mim foi perturbador. O que minha Vó poderia querer com aquele monte fedorento de estrume de cavalo? Onde ela ia colocar aquilo?
Em resposta à provável cara de nojo que fiz, sentado no balanço, ela prontamente me explicou:

- “Este é o melhor adubo que existe! Os pé de radicci vão crescer mais forte!”.

Minha Vó foi para um lugar melhor antes que eu pudesse conhecê-la realmente. Apenas durante a minha infância tive convívio com ela e com meu Vô, um dos aspectos ruins de ser caçula filho de dois caçulas. Mas naquele momento, mesmo sem querer, ela eternizou-se nos meus pensamentos com um ensinamento que talvez nunca imaginasse ensinar para alguém.

De tudo nesta vida podemos aproveitar algo. De qualquer coisa se tira uma boa utilidade, inclusive do esterco que fede. Aquele pequeno monte de estrume ajudou para que algo no futuro fosse parar na mesa da família, incluso talvez no meu prato durante mais alguma visita.

É nojento pensar nisto? É sim, talvez tanto quanto pensar que o que nos causa problemas e sofrimentos hoje, pode ser no futuro, algo que nos ajude a crescer/fortificar.

Feito adubo...

4 comentários:

Kize disse...

Bela história, fez com que eu lembrasse nos meus antepassados...que deixaram saudades...
Sobre o texto ótimo fez eu lembrar dos estrumes que encontrei e encontro na vida, que acabam de certa forma adubando....dando força, coragem e sustância para seguir adiante.
Adorei seu blog, se permitires claro, passarei mais vezes por aqui.

Abraço!

Kize

Luciana disse...

Seu texto é de boa estrutura, mas que tema ruim!
Espero melhoras para poder voltar!
Até

Rafa Pires disse...

Kize: sejas bem-vindo, e tenhas total liberdade para futuras visitas e comentários. Além disto, te agradeço pelo carinho... Ao ler o texto, captaste perfeitamente o que eu queria dizer ao escrevê-lo.

Luciana: Obrigado pelo elogio, e também pela critica. Podes voltar quando quiseres também, para uma visita, uma leitura ou talvez até mais um comentário.

Abraços a ambos!

Ariadne Werner disse...

Olá...
Cadê você e seus ótimos textos??? Faz tempinho que não atualiza.
Não tinha comentado esse texto da última vez que estive por aqui...
Referente o texto em questão... Concordo com você mais uma vez!!! Existe muita coisa que ocorre na nossa vida que pode nos parecer ruim e vá nos causar problemas e sofrimentos, mas saber viver e crescer é passar por isso sabendo superar e ainda tirar um aprendizado disso.
Beijos
Aguardo novos textos...

Ariadne