Às 7 da manhã acordei-me tranqüilo, naquele estado de completa sonolência-dormência que só o sono pesado, após três horas tentando dormir, te dá. Dirigi-me ao banheiro, como de costume, para entre outras tarefas, tomar o meu banho matinal necessário para o bom funcionamento do dia. Logo ali, no banho, lembrei-me de que ela adorava água pelando de quente... nunca entendi isto... mas tudo bem.
Após o banho, aquela escovada de dentes básica. Lembrei-me que a escova de dentes dela era de cor vermelha. Outra coisa que nunca consegui entender. Como que a escova de dentes dela poderia ser vermelha se ela era gremista? Isto é uma heresia! Um gremista de respeito não pode de maneira nenhuma ter uma escova de dentes vermelha, cor do arqui-rival da Padre Cacique. Mas logo após pensei: - Tudo bem... eu sou gremista também e minha escova é roxinha escura, não é azul.
Dirigi-me então ao quarto para colocar o tão básico terno-gravata, uniforme de trabalho. Lembrei-me dela ao passar pelas camisas, pois a única camisa que havia por ali capaz de combinar com a cor do terno que eu iria vestir era uma camisa preta-petróleo. Camisa que ela me deu num aniversário a alguns anos atrás. Lembro-me tanto daquele aniversário... tudo era tão bom... e aquela noite foi tão boa também. Sem mais comentários...
E novamente no café, lembrei-me dela. Ela não gostava de café com leite. Logo o meu tão querido café com leite! Isto era inadmissível em uma pessoa, como ela pode não gostar de café com leite, ainda mais servido em uma xícara de porcelana preta, acompanhada por um pires quadrado de cor branquinho gelo...
Elevador. Nove andares pra descer. Avistei a chavezinha que existe no painel que, quando girada, serve para trancar o elevador de todas as maneiras. Já testei, a porta não abre de jeito nenhum, o elevador não sobe nem desce, não adianta chamar de qualquer andar! Ah... e como foi bom o último uso que dei aquela chave...
No serviço, lembrei-me que havia esquecido de passar perfume após o banho. Todo homem de respeito está sempre cheiroso. E o único perfume disponível naquela hora era um que guardo no fundo da terceira gaveta da escrivaninha. Logo que eu mexi nele, o cheiro de lírios do campo tomou conta do lugar. Lembrei-me que ela odiava aquele perfume. Sempre me fazia passar algum lenço umedecido (aqueles perfumadinhos) no pescoço e nos pulsos, a fim de que o odor fosse ao menos disfarçado. Logo aqueles lenços fedidos que eu odiava, utilizados em bundinha de bebê em situações não tão agradáveis. Bem, uma certeza eu tinha, se estes lencinhos horríveis são usados em bunda de bebê... e anula o cheiro daquilo... imagino que com toda a certeza o “cheiro enjoativo” do meu perfume também era anulado. Indignei-me e acabei desistindo de ficar cheirando a lírios.
Por volta das dez da manhã: mais uma xícara de café com leite... e toda aquela mesma lembrança de novo.
No Jornal do Almoço, ao meio dia, lembrei-me dela quando estava mirando a cor dos cabelos da Cristina Ranzolin. Sério mesmo, a Cristina tem os cabelos iguaizinhos aos dela! Preto-amarronzado-avermelhado-canela. Que caíam por cima das orelhas e dos ombros de uma maneira organizada-alinhada-desorganizada-lisa - por causa das incessantes chapinhas, é óbvio...
Quedei-me mirando para os cabelos da Cristina Ranzolin e até esqueci de prestar atenção em um comentário importantíssimo do Santana que eu queria ver. Sobre um opala 76 que fora roubado na zona sul da capital e encontrado na zona norte. Por incrível que pareça foram furtados apenas os utensílios que estavam no porta-malas, objetos de uso pessoal do dono do carro e de sua esposa. Veja como é vida.
Pois no meio da tarde, após todas estas vezes nas quais eu pensei nela, e mais as outras tantas e inúmeras vezes que isso voltou a acontecer, acabei por tomar uma decisão: - Vou me forçar a pensar cada vez menos nela! Ordinária!
Nesta mesma hora peguei o perfume e passei incessantemente no pescoço e nos pulsos. E aí acabei me lembrando dos tais lencinhos de bebê de novo...
Eis que surge o problema: a cada vez que eu tentava não lembrar dela, por tabela eu lembrava! Claro! Se eu fico tentando me esforçar para não lembra-la... eu tenho que lembra-la para me esforçar!
Que sinuca de bico. Mas que barbaridade. Até quando estamos motivados a esquecer as pessoas temos que nos deparar com momentos em que sabemos que estamos nos esforçando em fazer algo para justamente esquece-las! E lembramos tudo de novo!Ai-ai...
Ao final do dia, na volta do trabalho, o pneu do carro furou numa rua deserta. Enquanto eu me esforçava naquela lida de macaco e chave de roda, com medo de ser assaltado, seqüestrado,... lembrei-me de uma vez em que aconteceu quase a mesma coisa, só que eu tive que lidar também com ela me xingando e me apressando de dentro do carro, me atucanando de uma maneira que deixaria até budista nervoso. Mas tudo bem... eu amava ela mesmo...
Neste exato momento um carro preto importado dobrou a esquina... hummm... faróis de xenon azulzinho claro... E o carro pára. “Pronto, vou ser assaltado”, pensei. O vidro escuro baixou e uma voz feminina-rouca-aveludada me disse:
- Olá! Desculpe o susto, mas vi que você precisa de ajuda....
O nome desta alma caridosa era Ana.
Eu e Ana nos damos muito bem. Vejo-me às vezes numa contenção para não fazer o que fazia antes, de pensar nela - a outra. E isto esta sendo muito determinante para o fato de nos entendermos desta maneira. Até agora pelo menos.
A outra continua assombrando meus pensamentos no mínimo 20 vezes por dia. Mas não na mesma intensidade. Será que está tudo bem comigo? Está sim...
A única diferença é que não me importo tanto quanto antigamente...e nem sofro também... pelo menos eu acho isso. E ela não é mais ela. É a Ana agora...
Até mesmo porque a Ana adora meu café com leite. E por incrível que pareça, meu perfume de lírios do campo também.
sexta-feira, 27 de outubro de 2006
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Um comentário:
ah, viu! a ana é o caminho ;)
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