terça-feira, 24 de outubro de 2006

A saga da frutose

Bom, lá se foi o inverno. E que estrago isso faz em pessoas românticas como eu. Palavrinhas como aconchego, conforto e casa dizem tanto... Em conjunto com os meus filmes, a minha lareira, os meus vinhos e a fondue que só eu sei fazer.
Ok, ok. Há uma coisa que eu detesto no inverno: a falta de melancia.
Eu adoro melancia. E é praticamente impossível encontra-la nesta época do ano.
Segundo seu Jacinto Cearense, dono da fruteira, a frutinha maravilhosa só dá entre a última quinzena de novembro e fevereiro. Tudo por causa do clima. E como eu não posso deixar de ser ansioso, o que me abate no inverno é a espera da temporada de melancia.
Nesta época do ano não passa uma hora do dia em que eu não pense em melancia, sinto desejo de comê-la no café da manha, após o almoço, de tarde, após a janta e até na hora de assaltar a geladeira na madruga.
Eu daria tudo por uma melancia agora.
Esses dias o seu Jacinto conseguiu uma pra mim. Cobrou-me os dois olhos da cara e mais o nariz. Mas eu paguei. Ela era meio pequena, meio feia, meio clara. Aquelas lindas listrinhas verdes não eram muito visíveis. Na verdade, minha melancia de ouro parecia ser mais fruto de alguma união duvidosa com um melão espanhol, do que com uma genuína melancia brasileira. “Deixa de ser exigente” pensei, “melancia é melancia, o que importa é comer”. Levei-a para casa, louco para me empapuçar com aquela delícia. Cortei a famigerada, já “calada” - pra quem não sabe, aquele cortezinho triangular que serve pra provar a fruta e enganar o freguês -, e deparei-me com um azedume, aquele gosto de podre (imagino que você saiba do que estou falando). “Pro diacho tchê, eu quero melancia e se só tem essa, vai essa mesmo”.
Acabei por comê-la inteirinha... E enquanto o fazia, desejava ardentemente o verão para poder saborear todas aquelas melancias com listras verde-escuro-vermelhinhas-no-meio-cheias-de-sementes-que-uso-pra-acertar-meu-irmão-mais-velho... Incrível como a imaginação pode esconder um gosto de azedo.
E aí, no exercício contínuo da memória, lembrei-me do novembro passado, quando ia ao supermercado fazer meu rancho semanal com a notinha no bolso: cerveja, cigarro, papel-higiênico, refri, MELANCIA (assim mesmo, em letras maiúsculas). Ah... Bendito setor de hortifrutigranjeiros, que abriga os fartos sucos tenros e doces do meu objeto de desejo frutal...
E ainda no mesmo processo de lembrança, ao pensar nos “doces sucos”, me lembrei da fartura. E da fartura veio a saciedade. E do excesso de saciedade o enjôo - conseqüência das mais de 30 melancias que papei naquele verão.
No inverno sinto falta, no verão, estou farto dos fartos sucos. F-A-R-T-O. No calor das horas, a melancia me embucha e aquelas horríveis-cascas-verde-escuras-com-restinhos de-vermelho-do-meio só servem pra atrair moscas.
De repente, eu odeio melancia. Ainda bem que estamos no inverno.
Ok. Ok. Tem mais uma coisa que me faz falta neste inverno: a companhia. Não, não da melancia. Embora agora eu tenha percebido o quanto uma se parece com a outra, comigo podendo ocupar o papel da fruta e vice-versa...
Ahhhh... Pensamentinho filosófico que me ocorreu agora: o extremo desejo de posse acaba por assassinar os desejos do desejo conquistado.
A posse é o tumulo do desejo. Ou de uma melancia. Ou de uma companhia. Quem desdenha quer comprar. A gente só dá valor quando perde. Tudo o que é fácil não tem graça. A melhor bolachinha é a última do pacote. E todos aqueles outros ditados-populares-comuns-extraordinariamente-lógicos.
Pra usar esta metáfora além dos gêneros alimentícios, confesso que me sinto mais como a melancia. A sensação insistente de que as pessoas me conquistam só pra me jogarem fora depois fica sempre latejando. E que fique esclarecido que não sou do tipo “fácil”, apenas me apego àquilo que me faz bem. Isso é crime? Atira a pedra aí se já não fizeste o mesmo...
Como eu pensava... Não pode me agredir porque também já fez, né?
Como não gostar de bajulação, de apoio, de respeito, de elogios? Como abdicar da sensação de ego preenchido quando a vontade por ti do outro é tanta, que até atura o gostinho podre de azedo?
Não, definitivamente não compreendo esta lógica. Lembrem-se que eu comprei a melancia sem saber que a coitada estava podre e encarei mesmo assim. Tudo bem, tudo bem. Não foi só em respeito à frutinha, mas sim ao meu dinheiro, a falta de coisa melhor e talvez o gostinho de não dar o braço a torcer pro caloteiro fdp do Jacinto Cearense. Mas o fato é que, em se tratando de gênero humano, não podem me acusar de falta de dedicação as minhas conquistas.
Mas atire em mim aquela pedra que você tem aí guardada se um dia também não foi melancia. De repente, a gente perde o valor por falta de clima! Ahhhhhh!!!!!
Quando nos deparamos com este problema na vida, a situação é bastante complicada. Sim, estou acusando um pouco a velhice. Quem arrastava um caminhão pela gente, hoje não arrasta mais nem um skate. Geralmente a falta de valor que as pessoas lhe dão neste período acaba por contaminá-lo de tal maneira que até Roberto Carlos, em situação semelhante, pararia de pensar que é rei... E a gente acaba se contentando com o papel de súdito em reinado brega.
Mas tudo pode ficar pior. É aquela fase da evolução do pensamento na qual tudo vira culpa tua e dos teus excessos - cabelo oleoso, espinhas, magreza, gordura, baixa estatura, nariz torto e hálito duvidoso. Não, não pareço com o Corcunda de Notre Dame. Sou inseguro mesmo.
Tenho impressão, às vezes, que se a fraqueza deste momento for muito duradoura, ele fica tão extremo que se pode chegar a fazer muitos tipos de besteiras - entre as menos pesadas, implorar pelo carinho do usurpador que te descartou. E tudo por quê? Por quê?
Porque eu adoro melancia no inverno quando eu não as posso ter. E as odeio no verão quando elas pipocam em qualquer moita. E como melancia podre por ser cabeça-dura. Ou seja, por inconseqüência humana mesmo. Quando eu encontro alguém perfeito que tomará o lugar da falta de melancia no meu inverno, e que será o Amargol para elas no meu verão, prefiro ir atrás da cereja do bolinho. E o pior é que fazem isso comigo também. Sei lá, talvez eu tenha que comer mais salada de fruta.

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