quinta-feira, 21 de maio de 2009

A primeira batalha...

Ele me pediu para assar uma picanha na churrasqueira, bem ao jeito que um verdadeiro gaúcho faz.
Eu perguntei se só a picanha era suficiente para todos, se ele não queria que assasse mais algo. Respondeu-me que um espeto de salsichão seria ótimo.
Enquanto eu começava a trabalhar na lida normal de carvão-fogo-carne-espeto e sal grosso, ele puxou assunto sobre o que eu fazia lá nas bandas do Sul. Queria saber detalhes sobre minha carreira profissional, meu nível de estudo, no que já havia trabalhado. Deixou claro que estava à procura de garantias para a saúde do futuro financeiro de sua filha. Percebi que esperava por sinceridade, foi quando devolvi este desejo com a honestidade que me é característica.
Lembro-me de ficar nervoso e um pouco indignado, pois esta é minha reação normal a perguntas onde a desconfiança sobressai no tom de voz.
Após minhas respostas, através da elevação de suas sobrancelhas percebi que apenas minhas palavras não seriam suficientes para as comprovações que ele estava buscando.
Tensão.
Momentos de silêncio.
Após alguns minutos, ofereceu-me uma cerveja. Eu disse que como não estava dirigindo, aceitaria um copo, desde que ele me acompanhasse. A lida da churrasqueira atraia meu olhar, e também me servia de bengala naquela situação. Após alcançar-me a tulipa, perguntou-me se eu era religioso. Percebi que aquele copo de cerveja não era uma mostra de companheirismo, mas sim um teste. Respondi a verdade: que era religioso sim, e que tinha muita fé. Respondi também que minha religião me permite certas liberdades terrenas que até Jesus Cristo provou. Bebidas alcoólicas são permitidas, desde que não sejam consumidas em níveis prejudiciais a saúde.
O nível da resposta deixou-o um pouco quieto. Percebi que me analisava feito um malfeitor, feito um bandido, feito um ladrão que estava prestes a furtar-lhe a filha. Resolvi largar um pouco a atenção que dispensava ao assado, e passar a enfrentar-lhe mirando-o diretamente nos olhos. Era hora de demonstrar que ele não estava lidando com um menino.
Comecei eu mesmo a tomar as rédeas dos assuntos. Conversamos sobre criação, sobre valores familiares, sobre respeito às famílias e aos conservadorismos que ambas tinham como característica cerne. Sempre replicava suas respostas com esclarecimentos sobre mim e minha família em particular. Ensinaram-me uma vez que é muito melhor esclarecer por vontade própria do que responder compulsoriamente.
Aos poucos, não sei se por conta da cerveja quente ou porque realmente as minhas respostas estavam surtindo efeito, a guarda de sogro-que-sente-ciúmes foi desertando, as barreiras foram sendo retiradas, alguns risos começaram a aparecer e, para espanto geral, após começar a servir alguns petiscos da carne, o primeiro elogio apareceu:
- “Nunca provei churrasco de Gaúcho, mas vejo que perdi muito neste tempo todo que não havia provado”...
Pronto, a chance me estava sendo dada.
Servi a carne, todos comeram. E elogiaram.
Após a janta, assuntos mil e mais amenos surgiram: futebol, climas diferentes entres os dois estados, povos habitantes... as coisas foram ficando mais leves a partir de então.
Ao final da noite, já na hora de me encaminhar para o hotel, ficamos sozinhos no recinto pela primeira vez, e o golpe final foi desferido de maneira inesperada:
- “O que fez tu te abalar desde lá do Sul até aqui, atrás da minha filha...?” – Perguntou-me.
- “A chance que recebo neste momento, de formar a minha vida ao lado de alguém que me faça feliz e que eu ame. O que o Senhor faria no meu lugar”?
- “O mesmo que você. Seja bem-vindo a minha família, meu filho”.

Tudo se interrompe aqui.

Pois o despertador tocou, e eu acordei. Suado.

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