quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O Funeral...

Admito que às vezes seja difícil iniciar um texto, principalmente se este faz parte de um processo sofrido de auto-análise, meu esporte favorito. É brabo colocar certos pensamentos na tela, e mais brabo ainda, depois de escrevê-los, sair do dilema de publicá-los ou não.
Dilema este que quase sempre, tem o mesmo fim.
O que funciona para mim na hora de escrever é não ficar me preocupando com o que é moralmente correto ou com o que penso, mas sim com o que sinto ou sentia. É o tal coração na ponta dos dedos. Consigo escrever sobre o que não conheço, mas nunca sobre o que não sinto. O tema que abordo agora segue esta mesma linha, e é um tanto complicado e dolorido. Palavras para no mínimo trinta revisões.
Decidi procurar análise pela primeira vez há alguns anos atrás, quando naquela época, motivado pelo acúmulo de dificuldades, sofrimentos e insucessos em vários campos, achei minha humildade escondida em algum lugar e admiti que precisava de ajuda.
E como as coisas melhoraram depois disto.
O início deste tipo de processo sempre é um choque, pois pela primeira vez na vida tens de encarar o fato de que os teus sentimentos, sejam de alegria ou tristeza, são de inteira responsabilidade tua, ao contrário do que se imaginava até então. Temos a tendência a culpar os outros pelas nossas feridas, e sempre esquecemos que, se aquela ferida existe, foi porque deixamos que ela fosse aberta. Neste momento temos que peitar que a nossa felicidade, finalmente, e de certo modo, infelizmente, está SÓ em nossas mãos.
E não adianta mais se esquivar.
Certos diagnósticos doem quando são feitos, principalmente aqueles que revelam as causas das nossas carências. É neste período inicial que todas são cruelmente jogadas na mesa, para que enxergues o que realmente fere, e para que possas separar o que se quer para o futuro, e o que vais descartar. Aprendes literalmente a lidar com a dor na marra, mas desta vez de maneira mais correta e controlada.
Entre as constatações que me causaram mais dificuldades para transpor, a que revelou o quão alto meu nível de carência afetiva estava foi a pior. Recordo-me até hoje o momento em que me saltou aos olhos esta constatação, através da seguinte pergunta:

- “Tu já te pegaste imaginando quem choraria em teu funeral...”? – Perguntou-me a psicoterapeuta.
- “Já...” – Respondi.

Sempre tinha me imaginado dentro do caixão, mas sem um pingo de desejo de morrer. Imaginava as pessoas ao meu redor, chorando, sofrendo, dizendo e constatando finalmente o quanto eu era uma pessoa boa, reconhecendo o quanto valia para elas e o quanto faria falta. Imaginava as possíveis homenagens, as coroas de flores, quem iria até lá falar algo amoroso sobre mim e até quem que, durante a minha vida não me dera o valor que eu gostaria e que depois de morto, me daria este valor devidamente corrigido através do choro compulsivo e de meu nome clamado. Imaginava-me celebrado e amado naquele momento. Finalmente o reconhecimento, finalmente o carinho, finalmente o verdadeiro valor demonstrado. É o velho e clássico: “tu sentirás a minha falta o dia que eu me for...”.
Confesso que me entristeci muito durante alguns dias depois desta sessão. Foi difícil lidar com o fato de que a carência regia tanta coisa assim nos meus caminhos, a ponto de imaginar o meu próprio funeral para que as pessoas pudessem finalmente me amar e me valorizar. Foi duro.
Alegrei-me um pouco quando, já em outra semana, constatei através de conversas com profissionais ligados a área que tal comportamento é natural e comum, e nem é tão ruim assim. Se não obtemos o que queremos na vida real, o caminho mais fácil é obter em sonho, mesmo que este sonho seja completamente estapafúrdio, e pasmem: levando-se em conta os efeitos a serem atingidos, tanto em um quanto em outro eles serão iguais.

Hoje em dia não me imagino mais morto. Passei desta fase. Mentirei se disser que a carência foi embora, até porque níveis variados de carência serão sempre encontrados em todos nós. Digamos então, que apenas consegui transferi-la para quem realmente interessa que cuide dela.

Como disse antes, aprendemos com a psicoterapia a sermos responsáveis perante os nossos próprios sentimentos. E já que existem e existirão períodos compulsórios na vida em que carinho, amor, reconhecimento e atenção estarão em falta...

É bom que nós mesmos cuidemos disto ao invés de esperar que os outros cuidem, por mais clichê que isto possa parecer...

2 comentários:

Ariadne Werner disse...

Olá.
Estava fazendo uma pesquisa no google e acabei parando aqui.
Gostei muito dos seus textos, assuntos diversos tratados com naturalidade e temas que nos fazem refletir.
Vou passar mais vezes por aqui.
Essa pergunta quem vai chorar no nosso funeral é interessante, nunca tinha parado pra pensar.
Acredito que na nossa passagem por esta vida precisamos fazer o bem para que no dia fatídico as pessoas não apenas chorem mas sintam como nos vamos fazer falta.

Beijos

Ariadne Werner

Rafa Pires disse...

Querida Ariadne,

Muito obrigado pela visita, antes de tudo. Agradeço também pelo teu carinho e pelos teus elogios!
Através destes comentários sobre meus textos, vejo o quanto diferentes são as interpretaçoes das pessoas que os leem. Esta interpretação que tu citaste, é muito boa, mas realmente eu não havia pensado nisto! Que ótimo!

Me enriqueceste!

Obrigado querida!

Bjos.

Rafael