Objetivos de vida. Todos nós temos alguns.
Mas não quero falar dos meus, ainda. Antes quero falar dos de uma mulher de 33 anos. Solteira, trabalhadora, estudiosa e solitária. Vive para a sua vida profissional. Dorme para trabalhar, acorda para trabalhar, come para trabalhar, toma banho e se veste para trabalhar, se cuida para trabalhar. Sim, a música aquela dos Paralamas.
Bem-sucedida. Graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado, cargos de chefia antes dos 30. Salários altos iguais ao salto que ela usa, também em torno deste último número. Respeito, consideração, valorização e facilidades. Tudo o que qualquer reles mortal trabalhador pediu ao divino.
Mas não, ela não era feliz. Acho que todo mundo imaginou isso, né? Agora a outra sentença óbvia: Por quê?
Simples. Coisas simples faltavam em sua vida. Assistir a novela das seis, tirar uma sesta à tarde, tomar café da manhã despreocupada com o horário, dormir até dizer chega, não precisar se maquiar todos os dias, almoçar às três horas da tarde, tomar café com grappa, beijar alguém todos os dias, dormir de conchinha, receber cafuné, comer bolinho e quindim até se fartar sem se preocupar com o culote...
Ela também se sentia muito sozinha. E quando solidão bate, a gente sabe que as coisas perdem o valor. Daí a gente se pergunta se queria mesmo o carro zero que comprou, se o nosso cachorro é interesseiro ou abana o rabo porque gosta da gente de verdade, se o fato de dizerem que sou simpático é disfarce pra afirmarem que não sou bonito... Enfim, solidão é o saco-vazio-sem-fundo-preto-no-vácuo das perguntas que não querem calar. A casinha onde mora o “será?” que casou com o “por quê?”.
Estes dias atrás a bem-sucedida me perguntou:
- Qual é o teu objetivo de vida?
- Não sei.
Mentira. Eu sabia. Mas me deu uma preguiça enorme de explicar que o meu objetivo, por enquanto, é não ser e estar só. É poder ir para a academia às cinco e meia da tarde. É dormir até as três - também da tarde - no sábado. É ficar o dia inteiro conectado no MSN com quem eu tenho prazer em bater um papo. Gosto de não me sentir tão responsável sobre a maioria das coisas que acontecem ao meu redor, de compreender e tentar aceitar que não tenho controle nenhum sobre os sentimentos, percepções e emoções das outras pessoas. É bom sentir-me insignificante e invisível, errar pra aprender no erro, ser tachado de bobo por ser comportadinho, de careta por vestir-me de terno e gravata (adoro estar bem arrumado), de cheiroso e burguês pelos meus perfumes importados, comer bolo - daqueles de aniversário com cobertura de creme e chocolate - e continuar magro de ruim. Meu objetivo é beber pouco ou muito, de acordo como que eu estiver com vontade, beijar quem eu gosto, abraçar quem eu gosto, dormir aconchegado no seio de quem gosto, gostar de quem goste de mim – e lá vem outra música na minha cabeça.
Como é que eu ia explicar pra ela que este conjunto de coisas, pra mim, é a felicidade, e esta tal felicidade (mas que raios, hoje eu estou musical mesmo) é o meu objetivo principal?????
- Mas... Tu és feliz?
- Eu não, talvez nem queira ser tão cedo.
Não quero ser feliz tão cedo porque se isto acontecer, como é que eu vou guerrear? Sim, porque buscar a felicidade é motivo pra uma batalha que não termina nunca; a expectativa, por si só, já é um baita de um incentivo viciante. A vida não é pra rir, mas que graça ela teria sem a luta constante pela satisfação inconseqüente, incoerente, insípida, incolor e inodora? (Ai, passei da música pras aulas de química). E antes de me despedir da bem-sucedida, depois de nove tulipas de chopp e alguns Carlton Crema dentro do cinzeiro (estou em processo de despedida do cigarro, mas infelizmente ele gosta muito de mim) perguntei com ares socráticos:
- Mas me diz aí, tu que és mais bem sucedida, tem dinheiro, trabalha muito, batalha muito mais e que tem mais idade e cabeça do que eu... Qual é o teu objetivo de vida?
- Pois é, eu também não sei.
- Ufa, ainda bem.
Ainda bem que ainda existe insatisfação neste planeta. Disfarçada de ignorância, é verdade. Mas ainda não estamos perdidos nessa imensa tabela periódica.
Lembraste também dessa música?
quinta-feira, 26 de outubro de 2006
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Um comentário:
brincou que teus textos não são "tão bons assim" né??
os únicos posts com mais de 10 linhas que eu leio sem cansar hehehe.
eu também não sei qual meu objetivo de vida. será que vale estar com vontade de matar a aula de foto e tirar um sono até a hora de ir trabalhar??
:)
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